sexta-feira, 21 de agosto de 2009

EUCLIDES, SUJEITO E PREDICADO

EUCLIDES, SUJEITO E PREDICADO
Marcos Vinicios Rodrigues Vilaça

Sinceramente, esperava maior mobilização nacional, além do que faz a Academia Brasileira de Letras, para registro do centenário de Euclides da Cunha.

É dele o juízo que de a vida resumida do homem é um capítulo instantâneo da vida de sua sociedade e de que na proporção em que se expande o espírito humano as fronteiras recuam.

Então, a sua obra é transertaneja - ou transamazônica - e sua expressão transcende molduras, inclusive a republicana. É claro, não há Euclides sem Os Sertões, mas existem muitos Euclides, a partir do fato de que a sua obra-prima precisa ser confrontada no conjunto da bibliografia, vale dizer, a Contrastes e Confrontos, À Margem da História, Um Velho Problema, Peru versus Bolívia, Castro Alves e seu Tempo, A Vida das Estátuas, Diário de uma Expedição, inclusive de Ondas, o contributo poético.

Receio que os da minha geração ainda sintam Euclides da Cunha pelo desfocado da análise lógica. Insistiram comigo na necessidade de encontrar sujeito e predicado em trechos do livro maior, esquecendo de alertar o estudante para o anguloso do estilo, para o tipo de paisagem que está por trás da narrativa, além de a Terra, para a confissão de que se julgava a um só tempo celta, grego e tapuia, ressaltando a relevância de uma como que audácia de àquela época alguém se dizer tapuia.

Gilberto Freyre fala com a costumeira elegância e a certificação conceitual: "O vulto monumental que levantou de Antonio Conselheiro não da pessoa do místico, mas do seu tipo de sertanejo isolado da civilização do litoral, de vítima desse isolamento de monge quase mal-assombrado cercado de beatas, de velhas, de doentes, de jagunços, de brancos e negros, de caboclos, de centenas de brasileiros pervertidos pelo mesmo isolamento que ele, de asceta terrível dando as costas às mulheres moças e às paisagens macias do lado do mar - permanece obra-prima da literatura brasileira".

O estudante não foi advertido a perceber que Euclides tinha um modo de ver brasileiro quase místico, onde Canudos é um drama entre a cultura do litoral e a cultura que estacionou no Sertão.

Gilberto Freyre aponta que o Brasil de Euclides é retorcido e agreste e que certamente, não era homem de sorrisos mas de cara fechada, sem maiores demonstrações de femeeiro à moda de Maciel Monteiro ou Pedro I. Freyre ouviu Teodoro Sampaio dizer que Euclides tinha mais medo de iguarias fartas que das carabinas da jagunçada. Faz-me até lembrar Marco Maciel que não tem prazer de estar à mesa. Euclides não era um comilão, à moda de Rio Branco ou Varnhagen.

O aluno que fui de curso preparatório ao vestibular de direito gemeu nas bancas a estudar as Catilinárias e analisar Os Sertões, mas não me observaram que o homem de Cantagalo amava a pesquisa, por isso, seus livros não têm nada de improviso. Ao contrário, se apoiam, entre outros, nos subsídios de Teodoro Sampaio, de Orville Derby, de Nina Rodrigues e desse pouco mencionado Pimenta da Cunha. Estilo sempre em linha reta, isto é, sem arredondamentos tão comuns em Gilberto Freyre, inclusive nos títulos dos seus livros Talvez Poesia, Quase Política, e os Em Torno disso ou daquilo.

Pouco, ou quase nada, o pré-universitário ouvia dizer dos personagens euclidianos, compostos de toque humano - é claro - mas recheados de acentos dos reinos animal e vegetal. Ecológico, como entendeu Roquete Pinto. Mais tarde, bem mais tarde, Artur Reis, no Conselho Federal de Cultura, onde estávamos juntos, destacava-me a impregnação amazônica que Euclides acolhera, mesmo que todos reconhecessem no seu estilo de ângulo reto a preferência pela verticalidade em vez da horizontalidade. A mesma verticalidade que o fazia ter menos entusiasmo com a arquitetura portuguesa das casas de engenho acachapadas do que com a arquitetura hispânica de altas torres sineiras, menos admirado com as volutas talvez barrocas da folha da bananeira do que com a régua e o compasso do mandacaru ou da "coroa de frade".

No seu centenário, este leitor de Euclides da Cunha permanece lendo sobre ele - Venâncio, Nelson Saldanha, Reale, Niskier, Rouanet, Josué - de olhos arregalados testando melhor entendê-lo e postulando para ele mais louvores, mas "farpeados de aspas", mais fogos no ar, ainda que os fogos que a ele interessavam não fossem esse com arruidos, lágrimas e estrelas.

Jornal do Commercio, 13/8/2009

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