ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA EJA: ALGUMAS
REFLEXÕES
Artur Gomes de Morais
Dentro da instituição escolar, a colocação em prática dos princípios idealizados e prescritos por outras esferas é, porém, atribuída prioritariamente ao professor. Cabe então refletir sobre o que isto significa, hoje.
Cremos que precisamos estar bastante conscientes de que as mudanças no modo como passamos a conceber a linguagem e o trabalho pedagógico na área de língua impõem um alto nível de exigência para o profissional professor. De um rol de conteúdos isolados, aprendidos pela repetição e memorização o que passamos a exigir do professor é que ensine “práticas variadas de produção e compreensão de gêneros orais e escritos”, tal como se dão no espaço extra-escolar. E que aquele mestre promova situações de “análise e reflexão sobre a língua” no lugar das antigas lições de gramática. Ora, é evidente que a nova prescrição implica uma profunda complexificação da tarefa de ensino.
Isto se torna evidente pelas competências de usuário da linguagem que se passa a exigir do professor e que ele não pôde, muitas vezes, desenvolver. Diferentes pesquisas realizadas, aqui no Brasil, atestam que a maioria dos docentes do ensino fundamental consomem, em seu cotidiano, poucos livros e outros produtos culturais –cinema, teatro, etc. Ao mesmo tempo, em suas experiências familiares e escolares prévias, estes profissionais não tiveram oportunidade de apropriar-se do letramento sofisticado que se supõe implícito na expectativa de que agencie, na sala de aula, práticas variadas de leitura, produção textual e análise lingüística.
Das dificuldades de realizar-se um ensino eficaz dos aspectos textuais da língua e de
se inovar o ensino do sistema de escrita alfabética. A condição de leitor escolar/interditado, apontada na seção anterior, poderia explicar, ao menos em parte, o fato de que, mesmo atualmente - quando há toda uma literatura que fundamenta a prática de ensino da língua como um processo de interlocução-,
ainda pode ser observado em muitas escolas um ensino de língua fragmentado. Dessa
maneira, os professores teriam dificuldades em desempenhar de outra forma o papel de
formadores de alunos leitores e produtores de textos, que deveriam ver a leitura como um meio de aquisição de práticas letradas.
Quanto à formação continuada... a escassez com que se dá, permite-nos questionar se pode continuar sendo assim chamada (“continuada” ou “contínua”) e não alimentar maiores ilusões quanto a seus efeitos. Além de sabermos que raramente atinge uma dimensão de ampliação do universo cultural do professor, parece que pouco tem investido numa reflexão sobre procedimentos adequados de escolarização da linguagem pela escola. Analisando situações de formação continuada na área de língua, vividas por professores de 1ª a 4ª séries de uma rede pública de ensino de Pernambuco, observaram que os momentos de formação (bastante esporádicos!!!) não só não viabilizavam a discussão e reflexão sobre as práticas de ensino da língua na sala de aula como reforçavam concepções e encaminhamentos didáticos bastante tradicionais (que identificavam língua com gramática normativa, usavam textos como pretexto para ensino de classes gramaticais, etc.). Hipotetizamos que a situação não seria necessariamente diferente na EJA: Moura & Morais (2001), entrevistando 10 professoras de EJA de Pernambuco, observaram que elas se queixavam da ausência de oportunidades de formação continuada e do fato de, nos poucos “encontros de capacitação” vivenciados, não se investir na discussão, por exemplo, da forma como sistematizam em suas salas o ensino do sistema de escrita alfabética.
A transformação das práticas de ensino da língua portuguesa na eja merecem, a nosso ver, uma atenção maior por parte dos que fazem e discutem as políticas de formação/ atuação dos profissionais envolvidos nesse segmento de escolarização. Parecenos inegável a complexificação daquela tarefa docente, em função das reconceituações sobre linguagem e seu ensino que vivemos nos últimos anos. Por um lado, as expectativas sociais em torno da ação docente tornaram-se muito mais exigentes: pensamos numa escola que queira “letrar” e não apenas alfabetizar pessoas jovens e adultas. Por outro lado, este letramento pressupõe não apenas desenvolver em sala de aula debates orais que permitam a expressão do educando, sua conscientização sobre processos sociais, etc. Numa perspectiva de letramento, a leitura do mundo passaria, necessariamente, pela ampliação do repertório de gêneros textuais escritos e práticas letradas que o aprendiz domina. Para isto, conseqüentemente, não bastaria ao professor de língua portuguesa da eja “dar a palavra” ao aluno.
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